segunda-feira, 22 de julho de 2013

Culinária dos Anos 40

O doce com frango e a cozinha de 1944
Dicionário para cozinhar nos anos 40:
"- Lardear: introduzir tiras de toucinho, toucinho defumado ou charcuteria variada, nas carnes, para evitar que fiquem muito secas.
- Côdea: casca (do pão)
- Pevides: sementes (de abóbora ou pepino)
- Panar: empanar
- Paladar (da vaca): céu da boca da vaca
- Cornichons: os pepinos usados para fazer picles
- Mangarito: um tipo de tubérculo muito comum na época, que hoje desapareceu
- Estar em mucilagem: estar com textura de goma
- Ginja: cereja ácida, também conhecida como amarena
- Vidrado (de limão ou laranja): parte lustrosa da casca, sem a parte branca
- Barrar com manteiga: untar com manteiga
- Brócolos: brócolis


Quando minha vovó nos deixou, em meados do ano passado, eu herdei dois livros de receita dela – “Cozinheiro e Doceiro popular” e “Sei Cozinhar”. Os dois foram publicados na década de 40 (1944 e 1949) e tenho imensa ternura por eles. Passando pelas folhas amareladas, já quase se dissolvendo na mão, encontrei anotações de receita com a letra dela e recortes de jornais que também traziam receitas. E para conseguir entender os livros, fiz essa lista de vocabulários.
Mas mais do que me ensinar palavras ou expressões novas, os livros me transportaram para uma outra realidade na cozinha. Custei a entender, de início, quando o modo de preparo fazia referência a “brasas” ou “cinzas”, até que me dei conta que na maioria das casas brasileiras o fogão ainda era à lenha.
Os livros trazem ainda receitas muito esquisitas, como gelatina de pepino, sopa de tartaruga, leite de galinha (uma bebida feita com ovos, açúcar e água fervendo, que toma-se quente), bolo de orelhas de porco e geleia de leite.
O modo de preparo das coisas era também bem inusitado. Um pudim de arroz, por exemplo, era feito num guardanapo de pano, que depois de amarrado com a mistura dentro, era cozido numa espécie de banho-maria, com as pontas do guardanapo atadas às alças da panela. E fala-se muito das “mãos do porco”. Para mim, todas as patas do porco eram iguais e eram todas “pés”.
Os livros tem também uma sessão de carnes de “caças de pelo”, como coelho, preá e paca, e até aí tudo bem. Mas também traz informações sobre as carnes do tatu, tamanduá, ouriço e quati.  Sobre o macaco, diz o seguinte:
“Muitas pessoas tem repugnância em comer macaco, por causa de sua semelhança com o homem, no entanto sua carne é considerada boa.”
Uma parte engraçada dos livros é a falta de instruções específicas ou de indicações de medida – mesmo nos doces, em que as proporções (teoricamente, pelo menos) precisam estar corretas para dar certo. Era uma culinária extremamente de “feeling”. Eu encontrei as seguintes expressões, por exemplo:
“Assar em forno bastante controlado”
“Levar ao forno até tomar consistência de espalhar com a faca”
“Um copo não muito cheio”
“Um prato raso”
“Duas galinhas velhas”
“Logo que esteja pronto, tira-se do forno”
“Meia porção de leite”.
Algumas receitas sequer tem medidas, como o “Pudim de Massa”, que começa assim:
“Toma-se alguma farinha, junta-se-lhe leite e sal, e leva-se ao fogo para cozinhar até ficar como uma massa espessa. Junta-se-lhe depois açucar, manteiga, gemas de ovos e algumas claras, canela e algum perfume…”
A parte mais engraçada para mim é das receitas que eu simplesmente não consigo entender. Não consigo entender que tipo de formato esperar e muito menos o sabor que deveria ter. Alguns exemplos:
Como a caixinha de papel não queima??
Não dá para imaginar o gosto de algo que mistura linguiça defumada com maçãs e uvas.
Quem imaginaria em rechear um lombo com... panquecas?
O meu favorito:
É uma sobremesa que leva carne de peito de galinha. Sem mais.
Essa receita de longe foi a que me intrigou mais. Cheguei até a mandar um e-mail para a Nina Horta, pedindo ajuda para entender se era isso mesmo, um doce com carne de galinha. Ela não só confirmou, como me explicou que as comidas de antigamente, principalmente as de herança portuguesa, nem sempre tinham essa diferenciação de ingredientes doces ou salgados. Me lembrou desse post que fiz sobre a origem da sobremesa.
Pesquisando na internet, descobri que esse manjar branco é uma versão do“Blancmange”, doce muito comum na Idade Média e a raiz do “Tavuk göğsü”, sobremesa típica da Turquia. Não só leva a carne do frango, como uma espécie de leite do frango.
Não lembro da vovó fazendo nenhuma dessas receitas estranhas. Nos livros, ela assinalou apenas as receitas mais simples, como “couve refogada” ou “pão de minuto”. Me lembro de comer sempre as mesmas coisas: galinha assada, angu, macarronada, lombo assado, pastel, pudim de leite. Acho que, nessa época, não importava tanto a variedade, mas fazer bem as receitas. E de tanto repetir as mesmas, ela alcançou perfeição em todas – é impossível repetir o pudim da vovó.
Cada vez que folheio os livros, espero encontrar num papel escondido a receita do docinho de amendoim. É essa que representa toda a saudade que sinto de você, vó."

6 comentários:

  1. ninguem nunca tinha postado nenhum comentario. sem me incluir.
    gostei do seu conteudo

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Com felicidade eu parabenizo,e compartilho,o mesmo ideias culinários, herdados da minha avó mineira tudo um primor! ♥︎

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  3. Achei muito interessante e engraçado a linguagem antiga,engracado para nós que somos outra geração, porém mesmo sem conhecer, ao lê as receitas,senti um carinho imenso pela pessoa que escreveu,que bom,que vc tem esse tesouro como herança para lembrar de alguém que foi tão amado e importante na sua vida. Deus te abençoe sempre, sempre...

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  4. Solange você pode me dizer algumas receitas que tem neles sem ser estranhas

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  5. Que página linda me levou ao tempo não vivi,mas tenho grande interesse!

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